A Praça São Pedro ficou lotada na noite deste sábado com cerca de cem mil pessoas que, provenientes de todas as partes, se reuniram em torno do Santo Padre respondendo ao seu convite para uma Vigília de jejum e oração em favor da paz na Síria, no Oriente Médio e no mundo inteiro. A iniciativa do Pontífice – de um Dia de oração e jejum em favor da paz – foi vivida por milhões de pessoas no mundo inteiro, fiéis cristãos e de outras religiões, e pessoas de boa vontade.
Em consonância com o tom penitencial do encontro, acompanhado pelo Cardeal Angelo Comastri, o Santo Padre chegou a pé ao patamar da Basílica de São Pedro, tendo passado pela Basílica de São Pedro.

Em espírito de oração e grande recolhimento, após ser entoado o canto do Veni Creator (Vinde, Espírito Criador), a recitação do Terço diante do ícone mariano da Salus populi Romani (Protectora do povo Romano), intercalado de leituras, o Santo Padre dirigiu a sua reflexão aos presentes e a todos aqueles que acompanharam a Vigília pela televisão.

Dividida em três pontos e partindo da narração bíblica da origem do mundo e da humanidade, contida no livro do Génesis, o Papa Francisco insistiu sobre a mensagem da bondade da Criação de Deus.

“Toda a criação constitui um conjunto harmonioso, bom, mas os seres humanos em particular, criados à imagem e semelhança de Deus, formam uma única família, em que as relações estão marcadas por uma fraternidade real e não simplesmente de palavra: o outro e a outra são o irmão e a irmã que devemos amar, e a relação com Deus, que é amor, fidelidade, bondade, reflecte-se em todas as relações humanas e dá harmonia a toda a criação. O mundo de Deus é um mundo onde cada um se sente responsável pelo outro, pelo bem do outro.”

A criação conserva a sua beleza que nos enche de admiração; ela continua a ser uma obra boa. Mas há também “violência, divisão, confronto, guerra”, continuou. “Isto acontece quando o homem, vértice da criação, perde de vista o horizonte da bondade e da beleza, e fecha-se no seu próprio egoísmo.”

Dito isto, o Papa afirmou que “quando o homem pensa só em si mesmo, nos seus próprios interesses e se coloca no centro, quando se deixa fascinar pelos ídolos do domínio e do poder, quando se coloca no lugar de Deus, então deteriora todas as relações, arruína tudo; e abre a porta à violência, à indiferença, ao conflicto”.

Quando isso acontece, “quebra a harmonia com a criação”, chega a levantar a mão contra o irmão para matá-lo.

Podemos dizer que da harmonia se passa à desarmonia? Não – respondeu o Papa. Não existe a “desarmonia”: ou existe harmonia ou se cai no caos, onde há violência, desavença, confronto, medo…

E fazendo um apelo à consciência de cada um, o Pontífice disse:

“É justamente nesse caos que Deus pergunta à consciência do homem: «Onde está o teu irmão Abel?». E Caim responde «Não sei. Acaso sou o guarda do meu irmão?» (Gn 4, 9).

Esta pergunta – continuou – também se dirige a nós:

“Acaso sou o guarda do meu irmão? Sim, tu és o guarda do teu irmão! Ser pessoa significa sermos guardas uns dos outros! Contudo, quando se quebra a harmonia, produz-se uma metamorfose: o irmão que devíamos guardar e amar transforma-se em adversário a combater, a suprimir.”

“Quanta violência surge a partir deste momento, quantos conflictos, quantas guerras marcaram a nossa história! Basta ver o sofrimento de tantos irmãos e irmãs. Não se trata de algo conjuntural, mas a verdade é esta: em toda a violência e em toda a guerra fazemos Caim renascer. Todos nós!”

Com ênfase, Francisco ressaltou que “ainda hoje prolongamos esta história de confronto entre irmãos, ainda hoje levantamos a mão contra quem é nosso irmão. Ainda hoje nos deixamos guiar pelos ídolos, pelo egoísmo, pelos nossos interesses; e esta atitude faz-se mais aguda: aperfeiçoamos as nossas armas, a nossa consciência adormeceu, tornamos mais subtis as nossas razões para nos justificar. Como se fosse uma coisa normal, continuamos a semear destruição, dor, morte! A violência e a guerra trazem somente morte, falam de morte! A violência e a guerra têm a linguagem da morte!”

A esse ponto, o Papa perguntou-se se é possível percorrer outro caminho, se podemos sair desta espiral de dor e de morte. “Podemos aprender de novo a caminhar e percorrer o caminho da paz?”

“Invocando a ajuda de Deus, sob o olhar materno da Salus Populi romani, Rainha da paz, quero responder: Sim, é possível para todos!” – ponderou.

Na cruz podemos ver a resposta de Deus – frisou: “ali à violência não se respondeu com violência, à morte não se respondeu com a linguagem da morte. No silêncio da Cruz cala-se o fragor das armas e fala a linguagem da reconciliação, do perdão, do diálogo, da paz.”

O Santo Padre disse querer pedir ao Senhor, nesta noite, que nós cristãos, os irmãos de outras religiões, todos os homens e mulheres de boa vontade gritassem com força: “a violência e a guerra nunca são o caminho da paz! Que cada um olhe dentro da sua própria consciência e escute a palavra que diz: sai dos teus interesses que atrofiam o teu coração, supera a indiferença para com o outro que torna o teu coração insensível, vence as tuas razões de morte e abre-te ao diálogo, à reconciliação: olha a dor do teu irmão e não acrescentes mais dor, segura a tua mão, reconstrói a harmonia perdida; e isso não com o confronto, mas com o encontro! Que acabe o barulho das armas! A guerra sempre significa o fracasso da paz, é sempre uma derrota para a humanidade”.

Francisco recordou que perdão, diálogo, reconciliação, são as palavras da paz: na amada nação síria, no Oriente Médio, em todo o mundo!

E concluiu com uma veemente exortação: “Rezemos pela reconciliação e pela paz, e tornemo-nos todos, em todos os ambientes, em homens e mulheres de reconciliação e de paz.”

No fim da Vigília, o Santo Padre agradeceu ao participantes: “Caríssimos irmãos e irmãs, agradeço-lhes por esta Vigília de oração. Todos rezámos juntos. Muito obrigado pela companhia. Continuemos todos estes dias rezando pela paz. Boa-noite e bom repouso, e para amanhã um bom domingo!”.

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