«A voz do sangue do teu irmão clama da terra até Mim» (Gn 4,10)

Caros irmãos e irmãs:

A nossa Província de Cabo Delgado está a testemunhar, desde Outubro último, momentos dolorosos por causa dos ataques bárbaros que a população tem sofrido, causando mortes, desestabilização, deslocamentos, abandono de Aldeias, machambas e da vida normal. Vive-se sob o regime do medo e da insegurança.

A Província sempre esteve entre as mais pobres de Moçambique nos indicadores sociais. Nos últimos anos, com a descoberta de muitos recursos naturais, temos sido alvo de uma verdadeira invasão de pessoas de diferentes proveniências, empresas e projectos. Nossas riquezas poderão gerar emprego, estabilidade e esperança para a nossa juventude se esta for tida em conta no desenvolvimento. Podem igualmente gerar uma vida melhor para toda a população da Província e do País – crentes e não crentes, idosos e crianças, homens e mulheres – desde que sejam bem geridas, repartidas e fiscalizadas. As assimetrias que sempre existiram poderão desaparecer com uma partilha séria e responsável dos bens.

Ninguém sabe exactamente quem é e o que quer este inimigo oculto. Ele não tem rosto, nem proposta, nem interlocutor com quem se possa dialogar. A única coisa que percebemos é que ele é bem claro ao expressar a sua fúria, o seu descontentamento, a sua maneira de gritar e de chamar à atenção. Ele tem feito reflectir a todos nós, indistintamente, pobres e ricos, governantes e governados, crentes e não crentes, da Província e de todo o País. Infelizmente, estes terríveis acontecimentos têm sido noticiados a nível internacional e não há uma resposta clara do Governo Central acerca dos mesmos.

Os jovens lá envolvidos não são apenas uns estranhos, estrangeiros ou “terroristas”, como gostamos de chamá-los. Há também jovens das nossas famílias, das nossas aldeias, dos nossos partidos, das nossas profissões de fé … “quase todos perdidos de armas nas mãos” (canto popular brasileiro).

Estes ataques fazem-nos levantar sérias questões:

  • Que futuro estamos a oferecer aos nossos jovens e como os incluímos na construção de uma sociedade mais justa, fraterna e igualitária?
  • Como é que as nossas riquezas (recursos naturais) têm ajudado ao desenvolvimento real e integral da nossa Província e dos nossos cidadãos?
  • Em que medida, temos pensado e trabalhado para oferecer à juventude uma educação adequada e espaços culturais e recreativos que favoreçam o desenvolvimento de todas as suas habilidades e criatividade?

Todas estas e muitas outras perguntas certamente nos fazem reflectir e devem ser objecto de preocupação para todas as pessoas de boa vontade, sobretudo para os governantes.

Ao visitar algumas comunidades e paróquias desta região tenho procurado levar uma palavra de alento e de esperança aos nossos agentes de pastoral e para o povo em geral, argumentando que não nos podemos sentir encurralados e paralisados, apesar do cuidado que devemos ter. Há muitos boatos e versões diversas dos factos, que contribuem para um clima de insegurança e imprevisibilidade generalizadas.

Embora a Igreja não admita que a violência seja cometida contra nenhuma pessoa, preocupa-nos em perceber que nos atentados e ataques são os mais pobres que tem sido as maiores vítimas. As pessoas já vivem com tão pouco e o pouco que têm acabam por perder.

Conclamo a todos para intensificarmos nossas orações para o fim desta tragédia que se abateu sobre nós. Não nos deixemos cegar por preconceitos religiosos, étnicos e políticos. Pelo contrário, formemos uma grande corrente de bons sentimentos, boas práticas, bons relacionamentos, bons conselhos, boas iniciativas … a fim de que a paz, que é sempre um fruto da justiça, volte a reinar entre nós.

Que Deus abençoe e ilumine a todos e todas!
D. Luiz Fernando Lisboa, cp
Bispo de Pemba