Queridos Jovens portugueses,

Penso naquela frase de Jesus, «Desejei ansiosamente comer esta Páscoa convosco» (Lc 22:15). A Páscoa acelera o desejo (reparem no que Jesus diz: «desejei ansiosamente»), intensifica de forma exponencial o sonho de Jesus a nosso respeito, e mostra a vontade esfomeada que Ele tem de comunhão connosco. «Desejei ansiosamente comer esta Páscoa convosco». Só quem nos ame é capaz de dizer uma frase como esta. Só de um coração onde bate um amor impetuoso podem brotar estas palavras. Jesus disse-as em relação aos primeiros discípulos e di-las agora a cada um de nós, seus discípulos e discípulas no século XXI. Não tenhamos medo. Nós somos hoje regenerados e gerados pelo desejo de Jesus. A Páscoa não é apenas uma comemoração de factos passados. A Páscoa é atual. E temos que nos ver a nós próprios como coprotagonistas com Cristo, porque Ele assim o deseja. O Papa Francisco tem exortado os jovens a apaixonar-se por esta verdade: «É que Cristo não só veio, mas vem e continuará a vir todos os dias, para te convidar a caminhar para um horizonte sempre novo» (Christus vivit,125).

Fez-nos bem, muito bem, esta demora

Tivemos um encontro marcado, em Roma, na Igreja de Sant’Andrea della Valle, quando muitos de vós viessem à entrega que o Papa Francisco faria da cruz das Jornadas Mundiais da Juventude. Sabemos como, neste curto espaço de tempo, as condições do mundo se alteraram por causa da pandemia, mas os cristãos não desarmam, e muito menos os cristãos jovens. A nova data do vosso encontro com o Santo Padre já está prevista para o próximo mês de Novembro. Será uma festa belíssima. Um dos nossos poetas, Camilo Pessanha, escreveu uma quadra que me parece oportuna para associar a esta experiência que estamos a viver. Ela diz isto: «Fez-nos bem, muito bem, esta demora:/ Enrijou a coragem fatigada…/Eis os nossos bordões da caminhada,/ Vai já rompendo o sol: vamos embora”. Em toda esta estação difícil que estamos a viver, a verdade é que, nem por um minuto, abandonámos “os nossos bordões de caminhada». Obrigado, queridos jovens, pelo vosso testemunho de Fé, pelo modo como tendes vivido este tempo em família; comunicando uns com os outros para não deixar ninguém só; cooperando com tantas iniciativas de voluntariado e de serviço aos que atravessam maiores dificuldades. Os jovens não desarmam.

Entretanto, o nosso amigo, o bispo D. Américo Aguiar, desafiou-me a escrever-vos esta carta no Dia de Páscoa, para resumir o essencial da mensagem que vos teria apresentado na catequese daquele primeiro sábado de Abril, em Roma. Faço-o, como vereis, com muita simplicidade, mas desejando olhar cada um nos olhos, e procurando dirigir-me à vossa inteligência mas, ainda mais, ao vosso coração.

O tema já o conheceis bem, pois foi escolhido pelo Papa Francisco. De facto, na Carta escrita aos jovens, em 11 de Fevereiro deste ano, ele confirma que, «como destino da próxima peregrinação intercontinental em 2022», escolheu a cidade de Lisboa. E apresenta também aí as temáticas que vão acompanhar o nosso itinerário de preparação até esse grande acontecimento. Assim, nos dois anos que antecedem as JMJ, somos chamados a refletir sobre dois motes bíblicos: em 2020, «Jovem, Eu te digo, levanta-te! (Lc 7: 14)»; e em 2021, «Levanta-te! Eu te constituo testemunha do que viste! (At 26: 16)». Por sua vez, o lema das JMJ de Portugal será, como é sabido, «Maria levantou-Se e partiu apressadamente» (Lc 1: 39). O elo comum aos três temas é o verbo «levantar-se», que estabelece uma importante ligação à Páscoa de Jesus. «Levantar-se» não é apenas a descrição de um ato nosso, um gesto que, de tão repetido, se torna banal. Essa palavra significa também ressuscitar. E é esse o nosso horizonte.

Deixar-se surpreender por Jesus

Começo por vos propor uma tarefa simples. O mote «Jovem, Eu te digo, levanta-te!» faz parte de um episódio inesquecível da vida de Jesus, narrado por São Lucas no capítulo 7 do seu Evangelho. Revisitemos juntos o texto completo dessa narração:

11 – E aconteceu que, no dia seguinte, ele se dirigiu a uma cidade chamada Naim, e com ele caminhavam muitos dos seus discípulos, e uma grande multidão;

12 – E, quando chegou perto da porta da cidade, eis que levavam um defunto, filho único de sua mãe, que era viúva; e com ela ia uma grande multidão da cidade.

13 – E, vendo-a, o Senhor comoveu-se de íntima compaixão por ela, e disse-lhe: Não chores.

14 – E, avizinhando-se, tocou o esquife (e os que o levavam pararam), e disse: Jovem, eu te digo: Levanta-te. E o que fora defunto sentou-se, e começou a falar.

15 – E [Jesus] deu-o à sua mãe.

16 – E de todos se apoderou o espanto, e glorificavam a Deus, dizendo: Um grande profeta se levantou entre nós, e Deus visitou o seu povo.

17 – E correu dele esta fama por toda a Judeia e pelas regiões vizinhas.

É, como vemos, um texto breve, mas deixa-nos surpreendidos pela quantidade de transformações que ali acontecem. Qual é a história? Jesus vem de Cafarnaum. Entre Cafarnaum e Naim são mais ou menos oito horas de caminho, feito a pé. Mas quando Jesus chega finalmente à porta da cidade para entrar na povoação, eis um cortejo que sai. Trata- se de um funeral. Naquela época, na Palestina, os mortos eram sepultados fora do perímetro das cidades, para separar o mundo dos vivos do mundo dos mortos. Ora, Jesus podia simplesmente continuar o seu caminho, visto não conhecer nenhuma daquelas pessoas. Mas não é esse o Seu modo de proceder. Rapidamente fica a saber que o defunto é o filho único de uma mãe viúva. E acontece isso que o v.13 nos relata por estas palavras: «E, vendo-a, o Senhor comoveu-se de íntima compaixão por ela, e disse-lhe: Não chores». É a primeira frase sobre a qual gostaria que nos detivéssemos um pouco a meditar.

Jesus tem estilo, verdade?

O que é ter estilo? É ter atitude; é distinguir-se por uma maneira particular e pessoal de se expressar; é assumir uma forma de ser. Lendo os Evangelhos, depressa nos apercebemos que Jesus tem um estilo. Nesta cena que se passa em Naim isso é claro. Pensemos no episódio como se o estivéssemos a ver num filme. Primeiro elemento em destaque: Jesus vê aquela mãe ferida pelo luto. O ver é muito frequente nos Evangelhos e mostra quanto Jesus está atento à nossa humanidade. Nós não passamos despercebidos. Ele viu Pedro consertando as redes, viu Levi no posto de cobrança, viu Zaqueu no cimo do Sicómoro, viu Madalena, Marta e Maria. Ele viu aquele jovem rico que inquieto, procurava razões de sentido para a vida e «sentiu afeição por ele» (Mc 10:21). O Evangelho está cheio de referências aos olhares de Jesus. E esses olhares, não tenhamos dúvidas, também nos alcançam hoje a nós; também nos envolvem de afeto; também nos responsabilizam. Na sua mensagem, o Papa Francisco pedia que nos interrogássemos sobre a qualidade do nosso olhar: «Como é o meu olhar? Vejo com olhos atentos ou faço como o repassar rápido das milhares de imagens no meu telemóvel ou nos perfis sociais? Quantas vezes nos acontece, hoje, ser testemunhas oculares de inúmeros acontecimentos, sem nunca os vivermos ao vivo! Às vezes, a nossa primeira reação é filmar a cena com o telemóvel, talvez esquecendo- nos de fixar nos olhos as pessoas envolvidas».

Passemos ao segundo elemento: trata-se de um verbo que em português nós traduzimos pela expressão, «comoveu-se de íntima compaixão». Quer dizer: Jesus sentiu uma emoção muito forte, como que um estremecimento, um terramoto íntimo de amor. É interessante que o evangelista São Lucas usa apenas três vezes esta expressão, e em ocasiões particularmente significativas: na parábola do bom samaritano (Lc 10:33), quando descreve a emoção que o samaritano sente ao ver aquele pobre judeu caído pela estrada; na parábola do pai misericordioso (Lc 15:20), quando o pai vê ao longe o filho pródigo que regressa e desata a correr ele ao seu encontro; e aqui neste maravilhoso episódio (Lc 7: 13). Reparemos que, nestes três relatos, a compaixão não brota porque alguém faz um pedido. Pelo contrário, é uma iniciativa de amor que nasce sem ser reclamada. Jesus podia tranquilamente passar ao lado daquele cortejo fúnebre, mas não, não é esse o Seu estilo. Ele rompe e ensina-nos a romper com aquilo que o Papa Francisco chama «a ditadura da indiferença». Jesus cria empatia, coloca-Se no lugar do outro, ama o outro. E sem que ninguém lhe peça, toma Ele a iniciativa de oferecer o Seu amor. Nesta linha, o Santo Padre deixa um elogio e um apelo aos jovens: «Em muitas ocasiões, vós, jovens, demonstrais que vos sabeis compadecer. Basta ver como tantos de vós se doam generosamente, quando as circunstâncias o exigem. Não há desastre, terremoto, inundação que não veja grupos de jovens voluntários mostrarem-se disponíveis para socorrer. Também a grande mobilização de jovens que querem defender a criação dá testemunho da vossa capacidade de ouvir o clamor da terra. Queridos jovens, não deixeis que vos roubem esta sensibilidade».

Finalmente, vejamos o terceiro elemento: Jesus diz àquela mãe «não chores». Não se trata aqui de impedir ou de declarar aquele pranto inútil, mas sim de consolar. Que tarefa tão urgente para colocar em prática! «Se souberdes chorar com quem chora, sereis verdadeiramente felizes» – garante-nos o Papa. Hoje, em nosso redor, quantos corações gritam por consolação! O autor do Principezinho, o escritor francês Antoine de Saint-Exupéry, escreveu: «é tão misterioso o país das lágrimas!» É verdade: pensemos nas lágrimas que já chorámos, e naquelas que na situação presente o mundo chora. O Evangelho conta também a história de muitas lágrimas. E o próprio Jesus chorou diversas vezes. Chorou, por exemplo, pela morte do seu amigo Lázaro (Jo 11:35) e pela destruição anunciada da cidade santa de Jerusalém (Lc 19:41). Mas Jesus não se conforma com as lágrimas. E passa à ação.

É a ti que Eu falo

E que faz Jesus? Há quatro ações sobre as quais vale a pena realizar um aprofundamento. A primeira ação é aquela descrita pela forma verbal «avizinhando-se». «Avizinhar-se» é um dos verbos mais frequentes nos Evangelhos e não admira, pois ele explicita o significado do mistério da encarnação. «Deus amou de tal modo o mundo que lhe deu o Seu próprio Filho» (Jo 3: 16). Jesus não é um espetador distanciado da nossa humanidade: Ele faz-Se interlocutor do nosso caminho, incondicionalmente próximo, amorosamente vizinho. Ele está sempre disposto a dar um passo na nossa direção.

A ação seguinte que Jesus efetua é tocar. Pensemos um bocadinho no sentido do tato. É o nosso sentido mais antigo. A partir do segundo mês de gestação o feto já reage ao tato. E quando éramos crianças, mesmo antes de saber falar, nós precisámos de tocar em tudo à nossa volta para conhecer, levando ao desespero os nossos pais. Mas o tato dá-nos o sentido da realidade e da relação. Como é poderoso o contacto entre duas mãos que se apertam! Como nos é doce (e necessário!) o toque de uma carícia ou o afeto trazido por um beijo. O tato exprime proximidade, estabelece um élan recíproco, é um sentido absolutamente vital. Podemos inclusive viver privados da vista, do ouvido, do sabor ou do cheiro, mas não conseguimos viver sem o tato, pois perderíamos todas as coordenadas de perceção. Jesus sabe a importância de partilhar o toque. Só para dar uma ideia: os Evangelhos contam 9 cenas em que Jesus é tocado por alguém e 13 cenas em que Ele toma a iniciativa de tocar. E mais. Jesus arrisca tocar as vidas interditas: o corpo dos leprosos, os olhos dos cegos, a língua dos mudos e, como neste caso de Naim, até o caixão onde um jovem jazia. Para o Seu amor não há impedimentos, nem nunca é demasiado tarde. Acreditemos nisso. Tal como aos discípulos derrubados pelo medo e caídos por terra, Jesus aproxima-Se, toca-nos e diz: «Levantai-vos! Não tenhais medo!» (Mc 17: 6-7). Sobre o tocar de Jesus, comenta o nosso amado Papa Francisco: «É o toque do Divino, que passa também através do amor humano autêntico e abre espaços inimagináveis de liberdade, dignidade, esperança, vida nova e plena. A eficácia deste gesto de Jesus é incalculável: lembra-nos que um sinal de proximidade, mesmo simples mas concreto, pode suscitar forças de ressurreição».

A terceira e quarta ações de Jesus são ações verbais. Habitualmente se traduz a parte inicial das palavras que Jesus dirige ao jovem deste modo: «Jovem, eu te digo». Na verdade, o texto grego original coloca um ênfase ainda maior nessa frase. Nós deveríamos talvez traduzir como «Jovem, é a ti que Eu digo». Jesus quer alcançar-nos, onde quer que nos encontremos. O Seu não é um discurso abstrato ou genérico. É a ti que Ele fala. Mesmo que te sintas descalço e roto como o filho pródigo. Mesmo que te aches perdido como a ovelha que se afastou do redil. Mesmo que te reconheças caído pela estrada como aquele homem da parábola do bom samaritano. Mesmo que te consideres indigno como Zaqueu na solidão do sicómoro. Mesmo que te julgues morto como o jovem de Naim. É a ti que Jesus fala. Ele é o Senhor da Vida e da História. E, «com todo o Seu poder de Ressuscitado» (Christus vivit, 20), Ele pousa o olhar sobre ti e não desiste de recordar: «Jovem, é a ti que Eu falo».

A última ação de Jesus representa o momento culminante da cena. Também aqui, como acontece tantas vezes, o sentido do texto original supera o das traduções. De facto, Jesus não diz simplesmente «levanta-te», como se fosse o jovem a realizar por si próprio a transformação do estado em que se encontrava. A nossa experiência testemunha isso: tantas vezes, não basta a nossa vontade para as coisas acontecerem. Precisamos de uma mão que nos segure, de uma alavanca que nos projete, de um poder que supere o peso da nossa fraqueza. Jesus sabe bem que é essa a nossa realidade. Por isso, ele fala ao jovem recorrendo à voz passiva. O que Ele lhe diz é: «Jovem, é a ti que Eu falo: deixa-te ser levantado». Não é o homem que se salva a si mesmo. Não importa se eu tenho mais forças ou menos forças, mais capacidades ou menos. O que conta mesmo é que eu abra a Jesus o meu coração e me deixe erguer por Ele. Como nos explica o Papa Francisco, «a palavra de Cristo é uma palavra divina e criadora, a única que pode restabelecer a vida onde esta se apagou». Confiemos.

Para o coração não há confinamentos

Esta é uma Páscoa que recordaremos. E há todas aquelas razões que se atropelam logo no nosso espírito: a pandemia, a quarentena, os vários confinamentos, a vida suspensa, as horas passadas no zoom, as igrejas fechadas, as celebrações por streaming, a solidão, a dor e a morte. Mas para um cristão não pode ser só isso. Na homilia do Domingo de Ramos, o Papa Francisco foi direto ao assunto ao afirmar: «O drama que estamos a atravessar neste período impele-nos a levar a sério o que é sério, a não nos perdermos em coisas de pouco valor; a redescobrir que a vida não serve, se não se serve. Porque a vida mede-se pelo amor». E dirigindo-se especialmente aos jovens deixou este desafio: «Queridos amigos, olhai para os verdadeiros heróis que vêm à luz nestes dias: não são aqueles que têm fama, dinheiro e sucesso, mas aqueles que se oferecem para servir os outros. Senti-vos chamados a arriscar a vida. Não tenhais medo de a gastar por Deus e pelos outros! Lucrareis… Porque a vida é um dom que se recebe doando-se. E porque a maior alegria é dizer sim ao amor, sem se nem mas… Dizer sim ao amor, sem se nem mas, como fez Jesus por nós». Associo-me às palavras do Santo Padre e também vos peço: por favor, queridos jovens, não deixem o vosso coração prisioneiro do confinamento. Esta não é uma hora para tornar o coração pequenino, mas para fazê-lo crescer. Este não é o momento para desistir de sonhar, mas é sim uma estação para os grandes sonhos. Este não é o tempo para deixar mirrar as nossas visões: este é o tempo para olhar os lírios do campo. O segredo da vida é este: amar. E o segredo do amor é só um: servir.

Nesta manhã de Páscoa rezo ao Senhor Ressuscitado, com a maior esperança, por cada uma e cada um de vós, e peço-vos também que rezem por mim. E deixo-vos um sincero e afetuoso abraço.

Vosso,
Cardeal José Tolentino Mendonça

Roma, 12 de Abril de 2020